Pontos que mais impactaram do livro "Filosofia da caixa preta"
A IMAGEM
“As imagens são, portanto, resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões espácio-temporais, para que se conservem apenas as dimensões do plano.”
Estas devem sua origem à capacidade de abstração específica: imaginação; A imaginação possui dois aspectos, abstração e reconstrução das duas dimensões da imagem. Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens.
Decifra-se a imagem em planos. A superfície da imagem produzirá apenas o seu significado superficial. Mas ao deixar a vista vaguear por ela, nos aprofundamos na imagem, resultado do “scanning”.
“O traçado do scanning segue a estrutura da imagem, mas também impulsos no
íntimo do observador. (...) Imagens oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo: símbolos “conotativos”.”
Ao vaguear pela superfície, o olhar vai estabelecendo relações temporais entre os
elementos da imagem. O vaguear do olhar é circular. O olhar tende a voltar sempre para elementos preferenciais.
“Imagens são códigos que traduzem eventos em situações, processos em
cenas. Não que as imagens eternalizem eventos; elas substituem eventos por cenas. (...) Imagens são mediações entre homem e mundo.”
Imagens serviram de instrumentos para orientar os homens no mundo, mas eles esquecem desse propósito. A alienação torna o homem incapaz de decifrar imagens. Como método de resgate, surgiu a escrita: processo de transcodificação do tempo circular (imagem) em linear (escrita). Apesar das intenções do homem de se aproximar do mundo concreto com a escrita, o contrário aconteceu pois a escrita, através do pensamento conceitual, mostra-se mais abstrato do que o pensamento imaginativo. Decifrar textos é descobrir as imagens significadas pelos conceitos: a escrita é meta-código da imagem, e vice-versa.
O homem incapaz de decifrar textos passa a viver em função destes. Tais textos passam a ser inimagináveis, tornando o discurso científico em conceitos vazios.
“História é explicação progressiva de imagens, desmagiciação, conceituação. Lá, onde os textos não mais significam imagens, nada resta a explicar, e a história pára. Em tal mundo, explicações passam a ser supérfluas: mundo absurdo, mundo da atualidade.”
A IMAGEM TÉCNICA
Imagens técnicas são produtos indiretos de textos.
“Elas são dificilmente decifráveis pela razão curiosa de que aparentemente não
necessitam ser decifradas.” A interpretação do significado é automática.
“O caráter aparentemente não-simbólico, objetivo, das imagens técnicas faz com
que seu observador as olhe como se fossem janelas e não imagens.”
“A aparente objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois na realidade são tão simbólicas quanto o são todas as imagens.“
“(...) as imagens técnicas, longe de serem janelas, são imagens, superfícies que transcodificam processos em cenas. Como toda imagem, é também mágica e seu observador tende a projetar essa magia sobre o mundo.”
Imagem técnica: tv, tela de cinema, fotografia
Imagem tradicional: paredes de caverna, túmulo etrusco.
“A função das imagens técnicas é a de emancipar a sociedade da necessidade de
pensar conceitualmente. (...) Substituir a capacidade conceitual por capacidade imaginativa de segunda ordem.”
As imagens técnicas terminam por trazer a mágica novamente para os textos, apesar de esta não ser a intenção de seus inventores.
A invenção das imagens técnicas é comparável, quanto à sua importância, com a invenção da escrita.
“Textos foram inventados no momento de crise das imagens, a fim de ultrapassar o perigo da idolatria. Imagens técnicas foram inventadas no momento de crise dos textos, a fim de ultrapassar o perigo da textolatria.”
Após a invenção da imprensa, que teve papel fundamental na revolução científica e disseminação em massa da aprendizagem, o pensamento conceitual, que antes era restringido apenas a uma parte da população, foi barateado e distribuído. Frente a isso, surgiu novamente a necessidade de tornar o conhecimento de difícil acesso, surgindo então os textos herméticos, que eram inacessíveis ao pensamento conceitual barato.
A cultura, então, foi divida em três partes: a imaginação marginalizada pela sociedade, o pensamento conceitual hermético e o pensamento conceitual barato. Uma cultura assim dividida não pode sobreviver, e a tarefa das imagens técnicas é estabelecer código geral para reunificá-la. Contudo, ela falha nesse propósito.
O APARELHO
Aparelho: animal feroz prestes a lançar-se.
Dois tipos de objetos culturais: bens de consumo (bons para serem consumidos) e instrumentos (bons para produzirem bens de consumo).
“Instrumentos têm a intenção de arrancar objetos da natureza para aproximá-los do homem. Ao fazê-lo, modificam a forma de tais objetos. Este produzir e informar se chama “trabalho”. O resultado se chama “obra”.” O aparelho fotográfico, a câmera, não é um instrumento.
“Instrumentos trabalham. Arrancam objetos da natureza e os informam. Aparelhos não trabalham. (...) De maneira que os aparelhos não são instrumentos no significado tradicional do termo.”
“(Livros, quadros, projetos) não servem para serem consumidos, mas para informarem: serem lidos, contemplados, analisados e levados em conta nas decisões futuras. Estas pessoas não são trabalhadores, mas informadores.”
O fotógrafo explora o aparelho em prol de descobrir novas potencialidades. Ele não trabalha com o aparelho, mas brinca com ele, tornando o homem que o manipula em um jogador.
“As potencialidades contidas no programa devem exceder à capacidade do funcionário para esgotá-las. A competência do aparelho deve ser superior à competência do funcionário.“
O fotógrafo se perde nas potencialidades do aparelho, revelando assim, a caixa preta. “O fotógrafo domina o aparelho, mas pela ignorância dos processos no interior da caixa, é por ele dominado.”
“O aparelho fotográfico ilustra o fato: enquanto objeto, está programado para
produzir, automaticamente, fotografias. Neste aspecto, é instrumento inteligente. E o fotógrafo, emancipado do trabalho, é liberado para brincar com o aparelho.”
“Enquanto objeto duro, o aparelho fotográfico foi programado para produzir automaticamente fotografias; enquanto coisa mole, impalpável, foi programado para permitir ao fotógrafo fazer com que fotografias deliberadas sejam produzidas automaticamente.” O que torna o aparelho fotográfico em um brinquedo é seu software.
“Em suma: aparelhos são caixas pretas que simulam o pensamento
humano, graças a teorias científicas, as quais, como o pensamento humano, permutam símbolos contidos em sua “memória”, em seu programa. Caixas pretas que brincam de pensar.”
O GESTO DE FOTOGRAFAR
Fotografar como o gesto da caça.
“Neste sentido, o aparelho funciona em função da intenção do fotógrafo. Mas sua “escolha” é limitada pelo número de categorias inscritas no aparelho: escolha programada. O fotógrafo não pode inventar novas categorias, a não ser que deixe de fotografar e passe a funcionar na fábrica que programa aparelhos. Neste sentido, a própria escolha do fotógrafo funciona em função do programa do aparelho.”
O fotógrafo é impossibilitado de fotografar tudo, vive na falta ilusão de escolha pois o que, na verdade, dita o que vai ser fotografado é o aparelho. O fotógrafo funciona em função do aparelho.
“Toda intenção estética, política ou epistemológica deve, necessariamente, passar pelo crivo da conceituação, antes de resultar em imagem. O aparelho foi programado para isto. Fotografias são imagens de conceitos, são conceitos transcodificados em cenas.”
Busca incessável por aquilo que antes nunca foi feito. “O fotógrafo caça, a fim de descobrir visões até então jamais percebidas. E quer descobri-las no interior do aparelho.”
“Tais considerações permitem resumir as características do gesto de fotografar: é
gesto caçador no qual aparelho e fotógrafo se confundem, para formar unidade funcional inseparável.” O intuito do gesto de fotografar é produzir fotografias, superfícies nas quais simboliza cenas.
A FOTOGRAFIA
As fotografias são onipresentes, elas se encontram em todos os lugares. Vistas de um ponto de vista ingênuo, elas significam cenas que se imprimiram sobre superfícies a partir de um determinado ponto de vista. Fotografias abrem ao observador visões do mundo.
O crítico de fotografia deve decifrar, além das ideias, conceitos.
“O deciframento de fotografias é possível, porque, embora inseparáveis, as intenções do fotógrafo e do aparelho podem ser distinguidas.” A intenção do fotógrafo é eternizar seus conceitos em forma de imagens acessíveis a outros, enquanto a intenção do aparelho é a de realizar seu programa. Ao comparar as intenções do fotógrafo e do aparelho, encontramos pontos de convergência e divergência. “Nos pontos convergentes, aparelho e fotógrafo colaboram; nos divergentes, se combatem. Toda fotografia é resultado de tal colaboração e combate.”
“Fotografias são imagens técnicas que transcodificam conceitos em superfícies. Decifrá-las é descobrir o que os conceitos significam.”
A DISTRIBUIÇÃO DA FOTOGRAFIA
O que distingue a fotografia das demais imagens técnicas é revelado enquanto ao modo em que elas são distribuídas. “As fotografias são superfícies imóveis e mudas que esperam, pacientemente, serem distribuídas pelo processo de multiplicação ao infinito. São folhas. Podem passar de mão em mão, não precisam de aparelhos técnicos para serem distribuídas. Podem ser guardadas em gavetas, não exigem memórias sofisticadas para seu armazenamento.”
“O homem é capaz de produzir informações, transmiti-las e guardá-las. Tal capacidade humana é antinatural.” O homem é capaz de transmitir e guardar as informações que não são apenas herdadas, mas também aquelas adquiridas.
Através do diálogo as informações são produzidas. Com o discurso, as informações são distribuídas para serem guardadas.
“Mas o que distingue as fotografias das demais imagens técnicas é que são folhas. E por isso se assemelham a folhetos. Filmes, para serem distribuídos, necessitam de aparelhos projetores; fitas de vídeo, de aparelhos televisores. Fotografias nada precisam.” Apesar das fotos eletrônicas também existirem, o que distingue a fotografia é a possibilidade de ser distribuída de forma arcaica. As fotografias relembram um passado pré-industrial: elas não se movem ou falam, são impressas em papel ou coisa parecida, e além disso tem caráter multiplicável.
O valor da fotografia está na informação que transmite, dessa forma se caracteriza como o primeiro objeto pós-industrial. “Na fotografia, a informação está na superfície e pode ser reproduzida em outras superfícies, tão pouco valorosas quanto as primeiras. A distribuição da fotografia ilustra, pois, a decadência do conceito propriedade.” Sendo assim, pouco importa quem a possui, mas sim quem programa as informações e as distribui. Desprezo do objeto e valorização da informação.
Antes de serem distribuídas, as fotografias são transcodificadas pelo aparelho de distribuição, sendo subdivididas em canais diferentes. “Todas as informações podem ser subdivididas em classes. Por exemplo, informações indicativas (“A é A”); imperativas (“ A deve ser A”); optativas (“que A seja A”). O ideal clássico dos indicativos é a verdade; dos imperativos, a bondade; dos optativos, a beleza. (...) Há canais para fotografias indicativas, por exemplo, livros científicos e jornais diários. Há canais para fotografias imperativas, por exemplo, cartazes de propaganda comercial e política. E há canais para fotografias artísticas, por exemplo, revistas, exposições e museus.”
“A cada vez que troca de canal, a fotografia muda de significado: de científica passa a ser política, artística, privativa. A divisão das fotografias em canais de distribuição não é operação meramente mecânica: trata-se de operação de transcodificação. Algo a ser levado em consideração por toda crítica de fotografia.” Como a fotografia enquanto objeto desprezível não tem valor de troca, o que valoriza o fotógrafo são os canais. Mas estes censuram o trabalho do fotógrafo, pois querem que a fotografia se enquadre no seu programa. O fotógrafo, então, tenta submeter a intenção do jornal à sua através do acréscimo de elementos estéticos.
A RECEPÇÃO DA FOTOGRAFIA
Apesar de qualquer pessoa conseguir tirar uma foto, não é todos que sabem analisar fotografias: analfabetismo fotográfico. Isso, em parte, se deve pela democratização do ato fotográfico.
O aparelho fotográfico se revela como um brinquedo curioso, com sua estrutura complexa mas âmbito funcional simples. “Quem possui aparelho fotográfico de “último modelo”, pode fotografar “bem” sem saber o que se passa no interior do aparelho. Caixa preta.”
“Uma viagem para a Itália, documentada fotograficamente, não registra as vivências, os conhecimentos, os valores do viajante. Registra os lugares onde o aparelho o seduziu para apertar o gatilho. Álbuns são memórias “privadas” apenas no sentido de serem memórias de aparelho. Quanto mais eficientes se tornam os modelos dos aparelhos, tanto melhor atestarão os álbuns, a vitória do aparelho sobre o homem.” Quem fotografa de maneira amadora não sabe decifrar fotografias.
A fotografia, enquanto objeto, não possui valor porque todos sabem fazê-la. Essa percepção contribui para a repressão de sua consciência histórica e desvia a sua faculdade crítica, e, dessa forma, as fotografias vão formando o “universo das fotografias”. “Contemplar tal universo visando quebrar o círculo seria emancipar a sociedade do absurdo.”
O UNIVERSO FOTOGRÁFICO
“O universo fotográfico é um jogo de permutação cambiante e colorido com
superfícies claras e distintas, chamadas fotografias. Estas são imagens de conceitos programados em aparelhos e tais conceitos são símbolos vazios. Sob análise, o universo fotográfico é universo vazio e absurdo. No entanto, como as fotografias são cenas simbólicas, elas programam a sociedade para um comportamento mágico em função do jogo. Conferem significado mágico à vida da sociedade. Tudo se passa automaticamente, e não serve a nenhum interesse humano. Contra essa automação estúpida, lutam determinados fotógrafos, ao procurarem inserir intenções humanas no jogo. Os aparelhos, por sua vez, recuperar automaticamente tais esforços em proveito de seu funcionamento. O dever de uma filosofia da fotografia seria o de desmascarar esse jogo.” O universo fotográfico é um modelo de toda vida futura.
A URGÊNCIA DE UMA FILOSOFIA DA FOTOGRAFIA
Ponto de partida da filosofia da fotografia: “imagem produzida e distribuída por aparelhos segundo um programa, a fim de informar receptores. Todo conceito-chave, por sua vez, implica conceitos subseqüentes. Imagem implica magia. Aparelho implica automação e jogo. Programa implica acaso e necessidade. Informação implica símbolo. Os conceitos implícitos permitem ampliar a definição da fotografia da seguinte maneira: imagem produzida e distribuída automaticamente no decorrer de um jogo programado, que se dá ao acaso que se torna necessidade, cuja informação simbólica, em sua superfície, programa o receptor para um comportamento mágico.”
“A fotografia não é instrumento, como a máquina, mas brinquedo como as cartas do baralho.”
“A tarefa da filosofia da fotografia é dirigir a questão da liberdade aos fotógrafos, a fim de captar sua resposta.”
“Quem lê os textos escritos por fotógrafos, verifica crerem eles que fazem outra coisa. Crêem fazer obras de arte, ou que se engajam politicamente, ou que contribuem para o aumento do conhecimento. E quem lê história da fotografia (escrita por fotógrafo ou crítico), verifica que os fotógrafos crêem dispor de um novo instrumento para continuar agindo historicamente. Crêem que, ao lado da história da arte, da ciência e da política, há mais história: a da fotografia.”
“A filosofia da fotografia é necessária porque é reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo programado por aparelhos. (...) Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade.”